São muitos os chavões
que sintetizam doutrinas teológicas. Muitos são mais tradições ou paradigmas do
que uma minuciosa aferição da Palavra. Afirma-se, ou simplesmente repete-se
categoricamente: “Uma vez salvo, salvo para sempre!”, mas isso está
longe de ser unanimidade e não creio na sua veracidade. Proponho alguns pontos
à reflexão.
Primeiramente o básico: como se dá a salvação? O contexto bíblico nos
informa que o homem pecou e isso gerou a morte física e espiritual; separação
de Deus. Deus vai ressuscitar todo o que creu em Cristo dando-lhe um corpo
eterno. Literalmente a salvação se dará no futuro, no grande dia
da ressurreição na volta de Cristo (1 Co 15). Então, ainda em vida
ninguém é salvo, logo não temos como perder algo que não ganhamos! Perdemos sim
é a garantia da salvação, algo muito próximo. Deixamos de nos enquadrar no
pré-requisito. Concordo que às vezes a Bíblia fala como se fosse já no presente
(1 Jo 5:13), mas é a força da argumentação para nos dar convicção. Temos
uma certeza ligada a uma condição: perseverar até o fim. É como alguém que
recebe um bilhete de um voo que lhe garante a viagem. O bilhete foi pago por um
alto preço e temos fé para guardá-lo e apresentá-lo. O Espírito compartilha
esta convicção de salvação e ninguém nos arrebatará das mãos do Pai, mas Ele
não é um tirano que nos impeça de trocar o bilhete pelo pecado, jogá-lo fora.
Um segundo ponto são as advertências, e o Novo Testamento está repleto
delas. Mensagens que atrelam perseverança (“até o fim”) como condição para a
salvação (Mt 24:13; Mc 13:13; Hb 3:6,14; 6:11; AP 2:26; 3:10). João 15 é um
clássico. A palavra chave “permanecer” repete-se dez vezes e vem
ligada à partícula condicional “se”. Em Apocalipse 3:5: “O que vencer
será vestido de vestes brancas. De maneira nenhuma riscarei o seu nome do livro
da vida”. Entre as advertências às sete igrejas, esta nos indica a
possibilidade de ser riscado do livro da vida (salvação) se não vencermos
(perseverar).
O livro de Hebreus é fundamental nesta discussão. A mensagem central é
advertir o cristão a não se desviar com o perigo de perder-se eternamente.
Todos os assuntos levantados no livro são bases para se chegar ao assunto
principal que é a advertência. A chave do livro está em 2:1: “Portanto, devemos atentar com mais diligência para as coisas que já
temos ouvido, para que em tempo algum nos desviemos delas.” Costuma-se
argumentar só em cima do capítulo 6, que é o mais enfático à perda da salvação,
mas nele todo o assunto é uma constante.
Algo muito interessante também é a incrível semelhança entre Hebreus com
a segunda carta de Pedro, ambos têm o mesmo cunho. Veja este texto: 2 Pd
2:20-22: “Se, depois de terem escapado das corrupções do
mundo, mediante o conhecimento Senhor e Salvador Jesus Cristo, forem outra vez
envolvidos nelas e vencidos, tornou-se-lhes o último estado pior do que o
primeiro. Melhor lhes fora não terem conhecido o caminho da justiça, do que,
conhecendo-o, desviarem-se do santo mandamento que lhes fora dado. Deste modo
sobreveio-lhes o que diz este provérbio verdadeiro: O cão voltou ao seu próprio
vômito; e: a porca lavada voltou a revolver-se na lama.” Temos então
dois livros inteiros exclamando: “Cuidado! Persevera!”
Outra argumentação é sobre aqueles que apostatam (1 Tm 4:1), naufragaram
(1 Tm 1:19),ou desviaram-se (1 Tm 5:15; 6:10,21; 2Tm 2:18; 1 Tt 1:14). Se
alguém é um apostata, é porque um dia foi um fiel. Se está desviado, é porque
outrora esteve no Caminho. Se não há perda de salvação, não há apóstata nem
desviado. É uma lógica simples; um fato claro. No caso da apostasia de
blasfêmia contra o Espírito Santo, o pecado que não tem perdão, o crente, em
via de regra, é o único que pode executar tal afronta porque é ele quem conhece
e se relaciona com o Espírito de Deus. Pode alguém blasfemar contra outrem sem
conhecê-lo? Não (Jo 14:17).
Se há pecado sem perdão, e “uma vez salvo, salvo para sempre”, então
esta advertência é somente para o incrédulo! Se ele pecar assim nunca poderá converter-se!
Na prática, imagine quantos estão atribuindo as obras de Deus ao Diabo (pecar
contra o Espírito), como foi o caso dos fariseus com os milagres de Jesus (Mt
12:22-32). Então milhares estão condenados sem possibilidade de perdão. Prefiro
acreditar que este pecado é gravíssimo, imperdoável porque é praticado pelo
próprio discípulo (apóstata). Este foi o caso do Diabo e seus demônios que
viveram a glória de Deus face a face e o desprezaram. Temos também Ananias e
Safira que “mentiram ao Espírito” (At 5:3) e foram fulminados.
Tanto para salvação quanto a santificação e perseverança dos santos será
sempre necessária a volição humana, sem a qual não haveria o livre arbítrio
(“imagem e semelhança”) e a reta justiça. Nesse parâmetro o homem pode sim, em
algum momento antes do término de sua vida, escolher não seguir mais a Cristo.
Vindo do homem, não duvide, tudo é possível. Hoje um santo, amanhã um demônio.
Temos conhecido muitos assim.
Deus, num momento de iluminação pelo Espírito Santo, oferta a salvação e
cabe ao homem aceitá-la. É condição sine
qua non essa cooperação para justiça. Isso é chamado de Sinergismo. Lembro
que, fazer escolha, dar permissão a Deus, não é obra e não nos dá mérito
salvívico. Toda glória pertence ao Senhor.
O perigo com “uma vez salvo, salvo para sempre” é que, de
forma inconsciente, involuntária tende-se a baixar a guarda na guerra cristã.
Um perigo crucial à própria alma e à igreja.
Faço minha a advertência de Hb 6: 4-8. “É impossível que os que já uma vez foram iluminados, e provaram o dom
celestial, e se fizeram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa
palavra de Deus, e os poderes do mundo vindouro, e depois caíram,
sejam outra vez renovados para arrependimento, porque de novo estão
crucificando para si mesmos o Filho de se produz espinhos e abrolhos, é rejeitada,
e perto está da maldição. O seu fim é ser queimada.”